Ela começou como estagiária e hoje é conselheira em gigante da aviação: ‘Eu sou minha maior rival’

Em dias de reunião do conselho, a agenda começa cedo. São horas de leitura prévia de relatórios, pareceres, dados econômicos e análises jurídicas. Depois, vem a discussão estratégica: decisões que têm impacto direto sobre milhares de funcionários e, muitas vezes, a responsabilidade de apoiar o CEO diante de uma escolha difícil. Não há margem para achismos. É técnica, análise e, principalmente, consciência.
Mineira, formada em administração, com passagens por setores como siderurgia, saúde e energia, ela chegou ao topo em um dos ambientes mais desafiadores do mundo corporativo. E aprendeu que, no conselho, mais do que experiência, é preciso ter firmeza emocional e escuta ativa.
A infância em Minas Gerais
Marcela nasceu em uma casa cheia em Belo Horizonte, Minas Gerais. Cercada por referências femininas fortes, foi incentivada desde cedo a estudar línguas, buscar excelência e sempre fazer mais. Quase como se, ainda criança, estivesse sendo preparada para as posições executivas que viria a ocupar.
“Eu tive o exemplo do meu pai, que era executivo. E da minha mãe, que sempre me estimulou muito. Acho que isso me levou a nunca ter medo de tentar”, explica.
De estagiária a conselheira
Antes de ingressar no conselho de uma das maiores empresas aéreas do país, Marcela trilhou uma trajetória longa e diversa.
Começou como estagiária na Usiminas, empresa líder na produção e comercialização de aços, passou pela Mediphacos, referência nacional em lentes de contato e chegou à Alupar, dos segmentos de geração e transmissão de energia elétrica, onde atuou na área financeira e assumiu posições de liderança em momentos delicados – como obras de grande porte, implantação de sistemas e reestruturações.
“Participei da construção de usinas, de linhas de transmissão e da abertura de capital da empresa. Fui crescendo e enfrentando projetos desafiadores, sempre aprendendo.”
A virada para a atuação como conselheira aconteceu aos poucos. Primeiro, ela ingressou em conselhos fiscais. Em seguida, assumiu uma cadeira no conselho de administração e no comitê de auditoria. Com o agravamento do cenário econômico-financeiro, foi convidada a integrar o comitê de reestruturação da dívida nos Estados Unidos. Hoje, ocupa duas posições de destaque: é a única mulher no conselho e a única brasileira no comitê de reestruturação.
Ser conselheira é uma posição de escuta – e de solidão
Marcela descreve o papel do conselheiro como algo estratégico – e, ao mesmo tempo, solitário. “A palavra de um conselheiro tem muita força e ela reverbera com muita facilidade”, explica.
A rotina não envolve decisões operacionais do dia a dia, mas exige preparo contínuo, estudo de tendências, leitura de cenários e empatia para lidar com núcleos que nem sempre se comunicam bem.
“Você está ali para apoiar decisões difíceis. Não para ser popular, mas para ser consciente. Para tomar decisões que às vezes são impopulares, mas que têm que ser tomadas”, explica ela.
Ela também comenta que o papel exige uma força emocional grande. Um dos aprendizados foi perceber que, nesse lugar, não dá para fugir da responsabilidade de decidir e de sustentar as decisões.
Marcela elenca características técnicas e comportamentais. Segundo ela, não existe uma fórmula única, mas há habilidades que fazem diferença:
- Escuta ativa. Mais ouvir do que falar, para captar diferentes visões antes de opinar.
- Visão ampla. Entendimento de negócios, pessoas, economia e geopolítica — tudo impacta a empresa.
- Clareza na comunicação. Pouco tempo para falar exige mensagens diretas e objetivas.
- Tomada de decisão. Decisões nem sempre confortáveis, mas sempre conscientes.
- Força emocional. É preciso ter preparo para sustentar posições impopulares com equilíbrio.
- Humildade. Saber que não se sabe tudo é o ponto de partida para decisões mais acertadas.
Aprender para decidir melhor
Foi com essa consciência – de que o conselheiro precisa estar preparado para tomar decisões difíceis – que Marcela decidiu buscar uma formação específica. Encontrou no programa SEER, da EXAME e Saint Paul, uma oportunidade para aprofundar suas reflexões sobre o papel do conselheiro e o mundo contemporâneo.
“É um programa que te convida a se entender como ser humano, a entender o mundo e como a gente toma decisão. Ele é provocador”, diz.
O SEER é um programa voltado a conselheiros, acionistas e executivos de altíssima liderança. Tem dois fundamentos principais: compreender o novo mundo que emerge (mais horizontal, diverso e imprevisível) e aprofundar os processos de decisão, explorando não apenas aspectos racionais, mas também inconscientes, subjetivos e comportamentais.
Entre os módulos, há uma experiência imersiva em Ouro Preto, Minas Gerais, que convida os participantes a refletirem sobre a cultura brasileira como ativo estratégico na pós-modernidade. “Foi uma vivência riquíssima. Você sai transformado.”

Em Ouro Preto, participantes do SEER mergulham em reflexões sobre liderança, identidade nacional e tomada de decisão em um mundo complexo e imprevisível (Arquivo Pessoal)
O que ainda move uma conselheira?
Para quem olha de fora, chegar a um conselho de uma empresa como a Gol pode parecer o topo da carreira. Mas, para Marcela, não há linha de chegada. O que a move é o desafio — e a certeza de que sempre há algo a aprender.
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